Covid: 8 em cada 10 infectados apresentam sequelas cognitivas
Estudo do InCor mostra que 80% das pessoas diagnosticadas com a doença sofrem com falhas na memória após a recuperação
Imagem ilustrativa - Foto: Reprodução
Um estudo realizado pelo InCor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP), em São Paulo, mostra que 80% das pessoas diagnosticadas com covid-19 sofrem disfunções cognitivas após a infecção. Falhas na atenção, memória e na função executiva do cérebro são algumas das consequências da doença mesmo após a recuperação.
“Lembro-me de fazer o pedido da comida e de pagar por ele. Mas não me lembro de ter comido”. “Dormi em pé tomando banho”. “Tive que vender minha moto, desaprendi a andar, não consigo mais ter coordenação nem equilíbrio para ficar em cima dela”, são alguns dos relatos entre os 430 pacientes em acompanhamento na pesquisa.
Segundo Lívia Stocco Sanches Valentin, neuropsicóloga responsável por coordenar os estudos e professora da FMUSP (Faculdade de Medicina da USP), os resultados evidenciam que a recuperação física nem sempre implica a recuperação cognitiva do paciente infectado.
“Isso deixa clara a importância de se incluir na avaliação clínica dos pacientes pós-covid de qualquer gravidade sintomas de problemas cognitivos como sonolência diurna excessiva, fadiga, torpor e lapsos de memória, para que, com o diagnóstico precoce, possa haver uma rápida intervenção terapêutica”, explicou a médica por meio de nota.
Segundo a neuropsicóloga, as sequelas cognitivas acontecem porque o vírus entra pelas vias aéreas, compromete o pulmão e, com isso, baixa o nível de oxigênio. “A dessaturação de oxigênio vai para o cérebro, acomete o sistema nervoso central e afeta as funções cognitivas”.
A pesquisa foi realizada por meio do jogo digital MentalPlus®?, criado pela pesquisadora em 2010 para detectar possíveis disfunções neurológicas em pacientes que eram prejudicados após o uso de anestesia geral profunda. No caso do novo coronavírus, o jogo avaliou pessoas que tiveram covid-19 em variáveis estágios, idades e classes econômicas. A primeira fase do estudo foi feita com 185 pessoas, entre março e setembro de 2020.
“O resultado foi impactante: independentemente do grau da doença, da faixa etária ou do nível de escolaridade, os pacientes que tiveram sintomas podem sofrer de disfunção cognitiva”, disse. Outra consequência detectada no estudo é a diminuição da capacidade visuoperceptiva, que faz com que as pessoas percam a coordenação motora e as quedas aumentem.
Segundo a médica, isso acontece porque a função executiva é afetada em pessoas que já contraíram o Sars-Cov-2. “Em uma pessoa saudável, essa função faz com que ela planeje o dia e busque estratégias para atenuar problemas, por exemplo. Se a pessoa perde essa função ou se ela ficar comprometida, isso pode interferir no trabalho e nas relações sociais, e, com isso, levar à depressão, ansiedade, angústia e agressividade”, explica.
Segundo Lívia, o quadro é passível de reversão por meio de exercícios cognitivos específicos como os do aplicativo MentalPlus®? utilizado no estudo. “Essa atividade funciona como uma ‘musculação mental’”, explica ela. Isso acontece porque, ao forçar a atividade do cérebro, o órgão é estimulado a um maior consumo de oxigênio, melhorando paulatinamente seu desempenho.
“Quanto mais cedo tiver início a terapia cognitiva, mais rápida será a recuperação e, consequentemente, menores os prejuízos mental, emocional, físico e social para essas pessoas”, afirma Lívia.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) aguarda os resultados finais do estudo e pretende adotar a metodologia desenvolvida na pesquisa do InCor como padrão-ouro em âmbito mundial no diagnóstico e na reabilitação da disfunção cognitiva pós-covid.